Autismo: o diagnóstico é difícil, o tratamento é complexo, mas a felicidade é possível
A Luta

Autismo: o diagnóstico é difícil, o tratamento é complexo, mas a felicidade é possível

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06/04/2018 19:35

Foto: Shutterstock
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Os próprios médicos reconhecem: não é fácil diagnosticar o autismo. Os sintomas variam de um paciente para outro em intensidade, como se fossem parte de uma paleta de cores – que abrange casos dos mais brandos aos mais graves, com diversas gradações intermediárias. As causas são também desconhecidas: acredita-se que a doença tenha origem genética. Certo, mesmo, é que não tem cura. Em linhas gerais, porém, o autismo vem de alterações neurológicas que impactam diretamente no comportamento do paciente, causando dificuldades de comunicação. Os sintomas se apresentam logo na primeira infância e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge uma a cada 68 crianças no mundo. Atenção redobrada, sensibilidade, compreensão, insegurança e muitas dúvidas ao decorrer do tempo. São sentimentos e situações que acompanham os familiares de pacientes autistas, principalmente depois do diagnóstico, e que ainda hoje preenchem os dias da psiquiatra Luciana Bridi, mãe de um menino com autismo, de seis anos. “Mesmo sendo médica psiquiatra, foi muito difícil, em primeiro momento, lidar com o diagnóstico, pois é uma condição crônica. Eu e meu marido demos força um para o outro, fomos encarando a situação e nunca deixamos de falar com as pessoas sobre a condição do nosso filho”, conta Ana. O filho caçula de Luciana foi diagnosticado com um ano e meio, em 2012, depois de passar por alguns médicos. “Comecei a desconfiar que havia algo errado, pois com um pouco mais de um ano ele nem engatinhava, não compreendia o que eu falava e também não aprendia coisas típicas da fase. O diagnóstico clínico saiu em duas semanas e, desde lá, é um aprendizado diário. Nem mesmo trocar a fralda era algo comum”, relata a psiquiatra. Hoje, faz quatro anos que ingressaram com o tratamento intensivo e o aprendizado é constante. O tratamento vem sendo mantido de forma intensiva há quatro anos. Mesmo sendo psiquiatra, Luciana confessa que não dominava todos os aspectos da doença. E foi por conta do filho que ela começou a aprender mais sobre o transtorno. “Inevitavelmente a rotina dele é complexa. A pessoa com autismo sente dificuldades para se vestir ou comer, além de precisar de ajuda para interação social. Hoje em dia, me considero uma militante pela conscientização do que significa o autismo”, relata. Atualmente, Luciana faz parte de um grupo de whatsapp com outras 30 mães com filhos autistas, que compartilham dúvidas e promovem alguns encontros de confraternização. A médica também é voluntária do Instituto Autismo e Vida, em Porto Alegre, e ministra palestras em escolas e em eventos da entidade. O filho de Luciana estuda no Colégio Bom Conselho e faz terapia diária há cinco anos, fonoaudiologia cinco três vezes por semana, TEACCH duas vezes semanais, além de musicoterapia uma vez semanalmente. Livro sobre conscientização do autismo A história de um menino autista que busca a inclusão na sociedade por meio dos sonhos das pessoas. Resumindo, esse é o tema de “O Menino e o Sonho”, livro da médica Luciana Bridi, publicado em junho de 2016 pela Age Editora – e parte do trabalho de conscientização do Instituto Autismo e Vida. A médica conta que escreveu o livro sem imaginar que ele poderia ser publicado. Desde a adolescência, ela tinha o costume de escrever textos e pequenos poemas. Até que, em 2015, o Instituto entrou em contato pedindo sugestões para um projeto de conscientização para o autismo. “Então enviei algumas histórias que havia criado e o livro começou a nascer”, conta Luciana. Com ilustrações do artista gráfico Paulo Thumé, a obra ajuda familiares a romper preconceitos. É também acessível a pessoas com deficiência visual, contendo um CD com a narração da história.
Luciana Bridi com seu filho Pedro. Foto: Arquivo pessoal
Luciana Bridi com seu filho Pedro. Foto: Arquivo pessoal
Diagnóstico precoce Iniciativas como a de Luciana estão na origem de uma importante mudança na forma de se encarar o autismo. Cada vez mais, a doença é debatida abertamente entre pacientes e médicos. Ao mesmo tempo, cresce a acessibilidade a informação qualificada nas redes sociais ou em grupos de apoio. Em suma, o assunto deixou de ser tabu – e isso tem sido decisivo para que os diagnósticos aconteçam de forma mais precoce. É o que diz o neuropediatra Rudimar Riesgo. “Quanto mais pessoas tiverem a informação de como se dá o desenvolvimento normal, mais fácil será para identificarem aquilo que está saindo do esperado”, explica ele, que também é professor de medicina da UFRGS e chefe da neuropediatria do Hospital de Clínicas. Criança sem autismo Dos 4 aos 6 meses, a criança começa a firmar a cabecinha. Na maioria das vezes, é capaz de sentar aos 6 meses, engatinhar aos 8 e ficar em pé entre 9 e 10 meses. A partir de 1 ano, é provável que comece a caminhar e a balbuciar as primeiras palavras. Nessa trajetória, a criança sem autismo tem um olhar “vivo”, que se conecta com o de outras pessoas, e se comunica facilmente apontando as coisas que deseja. Com um ano e meio, estará mais independente, correndo e brincando e demonstrando curiosidade por outras crianças. Criança com autismo E normal que existam variações neste padrão. Mas uma criança autista tende a divergir fortemente dele. As noites de sono tendem a ser mais conturbadas. Seu olhar costuma parecer mais distante, como se estivesse absorto, e não se fixa nos olhos dos outros. E parece não ter nenhum interesse no contato com outras crianças. “Se fizermos uma careta para uma criança normal de nove meses, ela provavelmente sorrirá de volta. Já a criança com autismo não reage”, ilustra Riesgo. Um ponto crítico de observação ocorre entre 1 e 2 anos de idade, quando as crianças começam a falar. Aquelas que estão dentro do espectro autista bem menos do que a maioria – em alguns casos, não falam nada. “Ser obcecado por determinados assuntos é também algo relevante para o autista. Dinossauros, fixação em carrinhos e pouca reciprocidade quando tentamos interagir com ela. A dica é procurar o seu pediatra, uma pessoa que a acompanha ela desde o berçário”, ressalta Riesgo. A cura (ainda) inalcançável Riesgo lembra que não existe, ainda, uma cura conhecida para o autismo. “Se o encararmos como um transtorno do desenvolvimento, podemos entendê-lo melhor e ajudar a criança a se desenvolver dentro do seu quadro”, explica. Os tratamentos partem de duas abordagens possíveis – com e sem medicação. “Essas duas formas se complementam”. Importante frisar que não existe medicação específica para o autismo. As prescrições geralmente são feitas para atenuar ou controlar situações que atrapalham o desenvolvimento da criança. “Se ela é epiléptica, a medicação será própria para epilepsia. Se ela tem desatenção e hiperatividade, é isso que vamos tratar. Se ela tem depressão, receitamos antidepressivo. E assim por diante”, conta Riesgo. Os sintomas comportamentais também podem ser tratados com o auxílio de terapias complementares, como a fonoaudiologia – para trabalhar questões de linguagem, por exemplo. “É importante um psicólogo para ajudar a criança e os pais a lidarem com um desenvolvimento diferente. Na hora de entrar no colégio é interessante um pedagogo para ajudar na alfabetização, escrita e leitura. E assim vai indo, conforme as necessidades”, esclarece Riesgo.
Rudimar Riesgo é um dos especialistas na doença. Foto: Camila Ferro/Simers
Rudimar Riesgo é um dos especialistas na doença. Foto: Camila Ferro/Simers
Ajuda mútua é fundamental Na busca por respostas, muitos pais recorrem a grupos e organizações que ajudam no conhecimento sobre a doença. Uma delas é o Instituto Autismo e Vida, localizado em Porto Alegre. Fundada em 2011 por familiares com filhos autistas, a entidade acolhe os familiares e conscientiza sobre a doença em vários segmentos da sociedade através de informações, eventos e o trabalho em prol das pessoas autistas. Um dos trabalhos prestados pela ONG é de informar e sanar dúvidas dos familiares com filhos autistas. Isso, através de conversas na sede do instituto e por meio de canais como site e redes sociais que frequentemente são abastecidos. “Grande parte das pessoas que nos procuram são pais e mães de crianças com o diagnóstico recente. Foi dessa forma que muitos voluntários chegaram aqui, inclusive eu”, conta Ana Paula Kohlmann, diretora do instituto. Além de sanar as dúvidas de familiares, o Instituto presta apoio com conversas e recomendações. Na sede, são realizados bate-papos para ampliar o conhecimento das famílias e orientá-las na busca de um bom tratamento. Um dos programas mais requisitados, principalmente por escolas, são as palestras ministradas por voluntários. Gratuitas, elas acontecem o ano inteiro e são itinerantes – normalmente, em escolas que têm casos de autismo. “Somos demandados em muitos lugares do Estado”, afirma Ana. O instituto também realiza trabalhos junto ao Ministério público, Brigada Militar e nos Conselhos Estadual e Federal de Pessoas com Deficiência. No próximo domingo (08 de abril), o Instituto promove uma programação especial em comemoração ao Dia Mundial da Conscientização do Autismo (02/04), no Parque Farroupilha. Além de informação e atividades recreativas, haverá uma caminhada de conscientização. Durante o mês, também ocorre um projeto de cinema inclusivo em alguns pontos de Porto Alegre, com sessões adaptadas para as características sensoriais dos autistas, além de uma oficina de pedaladas para um passeio ciclístico de conscientização. “A sociedade precisa saber, cada vez mais, quem nós somos e o que fazemos. Assim, poderemos ajudar cada vez mais famílias com filhos autistas e informar a população”, salienta Ana.
Membros do Instituto Autismo e Vida realizam diversos eventos durante o ano. Foto: Arquivo/reprodução
Membros do Instituto Autismo e Vida realizam diversos eventos durante o ano. Foto: Arquivo/reprodução
Tags: autismo

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